I - Remetente: Mabelle







Querido Espelho,

Perdi as contas de quantas vezes sentei-me a sua frente. Ensaiando meus sorrisos e olhares para parecer feliz ou, pelo menos, não parecer triste. Quantas vezes encarei meu reflexo em busca de respostas que, nós dois sabemos, nunca encontraria. Já me vira com olhos inchados e vermelhos, ainda úmidos e rosto molhado. Já presenciara um vazio enorme e olhar opaco. Já me vira de diversas vezes, tão poucas elas de felicidade genuína. E em todas às vezes encontrara-me horas depois com a felicidade roubada.

Gostaria de seguir contando o quanto mudei. O quanto minha vida sorrira para mim, que encontrei o amor e a felicidade. Mas seria apenas mais uma mentira. Como todos os sorrisos e olhares e palavras ensaiadas para parecerem verdades – e de fato parecem! Minha vida não mudou em nada para melhor.

É como chupar um picolé. O doce e saboroso frio que nos conforta no calor. Nossa ânsia por degustar o suco, a língua sugando e o corpo absorvendo. Então, sobra o palito, que vai para o lixo. Neste exato momento me sinto como este palito. Tudo o que tinha de doce e confortável, foi-me tomado. Tiraram-me o sabor, a cor. Deixaram-me sem nada. Apenas um palito fadado ao lixo. Usado, simplório e sem nenhum atrativo. Caio no esquecimento. Caio no lixo.

Aposto que, se pudesse falar, Espelho, perguntar-me-ia  “E tu? O que fizeste para assim ser tratada?” ou algo como “Não diga tolices! Não é bem assim...” Bem, a resposta unanime para qualquer indagação é Eu deixei. Eu deixo que me tratem como o palito. Não reclamo, não impeço, não choro. Apenas dou um sorriso e abaixo a cabeça. Idiota, eu sei. Mas... ninguém se importa com o palito. Por que eu haveria de me importar então?

Então, Espelho... Ah... não tenho mais nada a lhe dizer. Prefiro não chorar agora. Meus olhos estão pretos da maquiagem e não gostaria de ser vista com eles borrados.

Fique bem ai, na parede de sempre.

A menina do outro lado,

Mabelle 

Comentários

  1. Que lindo, Mary!
    Esse texto me lembrou bastante da narrativa do meu livro favorito, A Marca de Uma Lágrima. A menina que passava por vários problemas, e deixava-se ser passada para trás. Tudo porque tinha medo de se importar. De ver os outros se importarem consigo.
    E a verdade, a triste verdade, é que essa é a mais verdadeira informação já existente. Nós, covardes, tolas, bobas, deixamos porque temos medo de como seria ser amada, temos medo do Desconhecido, mesmo que ele represente alguém que se importe de verdade conosco.
    Ah, quão tolas podemos ser! :/

    Bjsbjsbjs ♥

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